Cooperativas de telecomunicações podem virar realidade: projeto de lei avança no Senado

O Projeto de Lei (PL) 1.303/2022, que viabiliza a prestação de serviços de telecomunicações por parte de cooperativas, foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado na última terça-feira (10). O texto, portanto, possibilita e regulamenta atividades de cooperativas de telecomunicações.

O parecer apresentado pelo senador Eduardo Gomes (TO) encaminha a proposta para a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática (CCT), que fornecerá decisão terminativa. 

Ou seja: se for aprovado, o texto passará diretamente para sanção presidencial. Caso o projeto avance, o cooperativismo poderá aumentar a competitividade no setor de telecomunicações e levar internet a regiões não contempladas pelas provedoras tradicionais. O autor do projeto é o deputado federal Evair de Melo. 

O acesso à internet no Brasil

O setor de telecomunicações compreende diversos produtos e serviços, como telefonia e TV por assinatura. Mas o item destacado no parecer do senador Eduardo Gomes e no discurso cooperativista sobre a matéria é a internet, essencial para qualquer tipo de atividade nos tempos modernos.

O Brasil está entre os países mais conectados do mundo, com 159 milhões de usuários neste ano, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2024, o que representa 84% da população. O percentual cresceu significativamente na última década – era de 58% em 2015 –, mas esteve estagnado no último ano e apresenta saltos tímidos desde 2020.

Outro ponto de atenção sobre a consolidação da internet no Brasil é a diferença entre os meios urbano e rural. Enquanto 86% da população que habita as cidades têm acesso aos serviços, o número é de apenas 76% no meio rural. A presença de não usuários no campo (6 milhões de pessoas, cerca de 20%) é acima da proporção da população rural brasileira (12,6%, segundo dados do Censo 2022).

O papel das cooperativas de telecomunicações

Se aprovado, o PL 1.303/2022 alterará a Lei Geral das Telecomunicações e a norma que regulamentou a privatização do serviço móvel de celular, fornecendo garantias legais de que as cooperativas podem atuar nesse ramo.

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado destaca a democratização do acesso à internet ao aprovar o projeto sem promover alterações. “Particularmente em um cenário em que há a necessidade de se melhorar a qualidade dos serviços prestados em pequenos municípios e regiões remotas, não se justifica proibir a atuação das cooperativas, que já demonstraram que podem desempenhar um papel fundamental na expansão e na melhoria da oferta dos serviços de telecomunicações”, afirma o parecer.

As cooperativas de telecomunicações poderão ajudar o governo em sua meta de promover o desenvolvimento econômico e social através da consolidação de serviços de internet. Desse modo, 11,6 milhões de domicílios no país poderiam pagar pelo acesso, mas estão localizados em regiões onde não está disponível, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Alterar esse panorama é uma bandeira abraçada pelo cooperativismo. Para Márcio Lopes de Freitas, presidente do Sistema OCB, a inclusão digital é “fundamental para que as comunidades, especialmente no campo, possam ter acesso a produtos e serviços como capacitação e ensino a distância, eficiência nas tarefas do dia a dia, acesso a novas tecnologias e soluções digitais, produtos e serviços extremamente essenciais na sociedade atual”.

Competitividade no setor de telecomunicações

O cenário da comercialização de serviços de telecomunicações no Brasil é dominado por grandes empresas mercantis. Embora haja milhares de organizações habilitadas, falta competitividade a esse mercado

No caso das conexões de banda larga fixa, mais de 40% da participação de mercado estão nas mãos de três empresas: Claro (19,1%), Vivo (13,5%) e Oi (8,5%) – a última atravessa período de mudanças, frente à possível concretização da venda da Oi Fibra. Nenhuma outra empresa possui participação de mercado na casa de 3% ou mais, evidenciando a concentração de poder. Os números da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) são relativos a outubro de 2024.

Já em relação à telefonia móvel, que também contempla as conexões 3G, 4G e 5G, o cenário é ainda mais similar a um oligopólio. Novamente três empresas – desta vez Vivo, Claro e Tim – estão isoladas no topo, e nesse caso elas possuem participação conjunta de mercado de 95,6%. Os smartphones são uma ferramenta essencial no acesso à internet. De acordo com a TIC Domicílios, 60% dos internautas se conectam exclusivamente pelo celular.

A situação da banda larga fixa e da telefonia móvel no Brasil denota que o aumento na competitividade geraria benefícios aos brasileiros. Iniciativas direcionadas a parcelas da população não contempladas pelas grandes empresas poderiam democratizar o acesso à internet, que já é amplo, porém tem potencial de alcançar muito mais pessoas.

Cooperativas de telecomunicações e a inovação 

O projeto é um passo essencial para o cooperativismo expandir seu papel no ramo das telecomunicações. Sob a lei atual, as cooperativas precisam criar uma empresa limitada ou de sociedade anônima e gerenciá-la. Há exemplos de provedoras de internet ligadas a cooperativas, como a Coprel Telecom, mas a atual conjuntura encarece o serviço e prejudica as possibilidades de atuação ampla.

Há casos que mostram o sucesso das cooperativas de telecomunicações ao redor do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, centenas de associações ligadas à National Rural Electric Cooperative Association (NRECA) fornecem internet a 675 mil residências, segundo estimativa de 2022 da Fiber Broadband Association (FBA). 

Já no Canadá, as cooperativas integram a estratégia nacional de expansão do acesso à conexão de qualidade. No Reino Unido, por fim, a Broadband for the Rural North Limited (B4RN) tornou-se uma provedora premiada por levar a banda larga ao meio rural.

Conectividade e desenvolvimento

Em todos esses casos, o cooperativismo cumpre o papel social de levar conexão de qualidade a regiões onde é difícil obtê-la por meios tradicionais. E é justamente esse o objetivo do PL que pode trazer ao Brasil a solução inovadora adotada em outros países.

A presença da internet em regiões rurais estimula seu desenvolvimento econômico. O mais recente Censo Agropecuário, de 2017, aponta que 21,4% dos habitantes dessas regiões têm 65 anos ou mais, indicativo do envelhecimento da população rural. O campo precisa renovar sua força de trabalho, e a inclusão digital é uma forma importante de manter os jovens.

“Vivemos em um mundo cada vez mais conectado, onde a internet faz parte de praticamente todas as nossas atividades diárias. Por isso, essa medida é tão importante. Nossas cooperativas de energia já possuem infraestrutura para oferecer esses serviços e poderão ampliar seu alcance para atender ainda mais famílias. E ainda temos o desafio de levar as tecnologias do Agro 4.0 aos pequenos e médios produtores”, explica Lopes Freitas.

Conclusão: o potencial das cooperativas de telecomunicações:

A definição sobre o cooperativismo no ramo das telecomunicações está próxima, mas não se pode prever uma data para acontecer. O PL 1.303/2022 passou cerca de dois anos na CAE.

Se aprovada, a matéria a ser analisada no CCT tem tudo para beneficiar a população. O aumento da competitividade nos setores de internet fixa e móvel e a proximidade do cooperativismo ao meio rural ajudarão o Brasil a expandir o acesso à internet àqueles com condições de pagar pelo serviço, porém não contemplados pelas atuais provedoras.

Além disso, o ingresso efetivo do cooperativismo em um setor fortemente ligado à tecnologia tem o potencial de colocar o setor como um vetor ainda maior da inovação. Por meio da intercooperação, as cooperativas de telecomunicações terão um papel importante para o desenvolvimento regional – e cooperativista.

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Arthur Macedo
Arthur Macedo
Jornalista formado pela Universidade de São Paulo. É apaixonado por esportes, faz tudo enquanto ouve música e sempre que possível está em algum cinema. É redator na Coonecta.