Cooperativas de crédito e o mercado de ativos virtuais: perspectivas sobre a regulamentação do Bacen para 2025

Nos últimos anos, os criptoativos, incluindo as criptomoedas, têm ganhado destaque no cenário financeiro mundial. Atentos a essa tendência, o legislador brasileiro e o Banco Central do Brasil (Bacen) têm se empenhado em criar um ambiente regulatório que não apenas promova a inovação no setor financeiro, mas também garanta a segurança, a transparência e a proteção ao investidor. 

Cumprindo com sua finalidade, o Bacen tem monitorado de forma contínua o desenvolvimento de novas tecnologias, conceitos e modelos de negócios ligados aos ativos virtuais, com especial atenção à sua relação com o mercado de câmbio e aos fluxos internacionais de capitais. 

O volume de negociação de criptoativos e a crescente integração desses ativos ao sistema financeiro tradicional têm gerado discussões significativas nos últimos anos. 

Como exemplo, as Estatísticas do Setor Externo divulgadas pelo Bacen em 25 de julho de 2024 indicam que, entre janeiro e maio de 2024, a compra líquida de criptoativos por residentes no Brasil já totalizava US$ 7,3 bilhões (R$ 41,25 bilhões). Esse valor é comparável ao volume total de 2022 (US$ 7,4 bilhões) e corresponde a 63% de todo o volume de 2023 (US$ 11,7 bilhões).

Avanços no debate de critptoativos

Em Fóruns Internacionais sobre o tema, tem-se defendido a adoção de regulamentações e supervisões que considerem tanto as funcionalidades desses ativos quanto os riscos associados a eles. 

Em sequência à promulgação da Lei dos Criptoativos (Lei nº 14.478/2022) e respectivo Regulamento (Decreto Presidencial nº 11.563/2023), o Bacen publicou as Consultas Públicas nº 109, nº 110 e nº 111, em novembro de 2024. Elas não só reforçam a relevância crescente deste mercado, mas também marcam um passo decisivo para o uso de ativos virtuais no Brasil. 

As cooperativas e os criptoativos

Como previsto, a regulamentação impacta não apenas os prestadores de serviços de criptoativos, mas também as instituições financeiras regulamentadas pelo Bacen, incluindo as cooperativas de crédito, que terão a oportunidade de expandir suas operações nesse campo.

Reconhecidas como instituições financeiras por lei, as cooperativas de crédito desempenham um papel essencial no mercado financeiro. Elas são fundamentais para promover a inclusão financeira e oferecer soluções personalizadas que atendem às necessidades de seus cooperados. 

Tendo seu grande diferencial o foco nas pessoas e não no capital, elas levam cidadania financeira a indivíduos e locais não elegíveis, como praças bancárias por instituições financeiras tradicionais. Além disso, fomentam grandes negócios e investimentos milionários, sempre preservando os valores e princípios do cooperativismo. 

As regulamentações discutidas nessas Consultas Públicas impactarão diretamente as cooperativas, trazendo novas oportunidades e desafios para que possam inovar e expandir seus serviços. Isso ocorre especialmente no contexto digital e com o advento da próxima fase da evolução da internet – a Web3.

Para entender melhor esse novo cenário, vamos analisar os principais objetivos das consultas, algumas polêmicas e seus desdobramentos. Também vamos discutir o que as cooperativas de crédito podem esperar da nova regulamentação e como se posicionar em um cenário repleto de novas oportunidades.

Consulta Pública nº 109/2024

A Consulta Pública nº 109/2024 tem como objetivo estabelecer diretrizes para a constituição e operação das Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs) no Brasil.

A proposta normativa oferece definições técnicas, previsão de obrigações e responsabilidades das prestadoras de serviços, auditoria e conformidade, e testes de estresse anuais sobre os sistemas de segurança. Além disso, estabelece requisitos mínimos de capital social para cada categoria, exigindo governança robusta, controles internos eficazes e a implementação de medidas de prevenção à lavagem de dinheiro.

A proposta classifica as PSAVs em três categorias: Intermediárias de Ativos Virtuais, responsáveis por intermediar a negociação e distribuição de ativos virtuais; Custodiantes de Ativos Virtuais, que cuidam da guarda e controle dos ativos em nome de seus clientes; e Corretoras de Ativos Virtuais, que combinam as funções de intermediárias e custodiante.

Segurança e transparência dos criptoativos 

Esse esforço regulatório visa criar um ambiente mais seguro e transparente para as PSAVs, regulamentando sua atuação para promover a confiança no mercado de criptoativos. Ao se integrarem a esse mercado, as cooperativas de crédito terão a oportunidade de oferecer serviços inovadores que respeitam as diretrizes estabelecidas.

A expectativa é que, com a regulamentação, as cooperativas possam se estabelecer como agentes-chave na custódia e intermediação de criptoativos, mantendo a confiança dos cooperados e ampliando suas oportunidades no setor financeiro digital. 

Apesar da regulamentação ainda estar sujeita a alterações, espera-se que o Bacen pouco altere em sua versão final, já sendo um bom parâmetro para as cooperativas conhecerem e se prepararem. 

Consulta Pública nº 110/2024

A Consulta Pública nº 110/2024 foca nos procedimentos de autorização para funcionamento das PSAVs e das sociedades corretoras de câmbio, e distribuidoras de títulos e valores mobiliários. 

A proposta visa consolidar e aprimorar as exigências relacionadas à capacitação econômico-financeira, a origem lícita dos recursos, e a estrutura organizacional e de governança das entidades que desejam operar no mercado de criptoativos.

Uma das principais inovações dessa consulta é a necessidade de compatibilização das atividades das PSAVs com a legislação brasileira. O Bacen quer garantir que todas as operações no mercado de criptoativos sejam devidamente monitoradas e reguladas, promovendo eficiência e segurança no setor. 

De olho na governança

A consulta também aborda a necessidade de revisão do controle societário, exigindo que alterações no controle de PSAVs sigam as regras de transparência e conformidade.

Isso implica que as cooperativas, ao desejarem atuar no mercado de criptoativos, precisarão revisar suas estruturas internas, garantindo que seus processos de governança estejam em conformidade com as exigências regulatórias.

As organizações também terão que atender aos rigorosos requisitos de capital mínimo, estrutura de governança e transparência, possibilitando a integração segura ao mercado financeiro tradicional. A ideia é estabelecer uma base sólida para operar de maneira legítima e segura.

Consulta Pública nº 111/2024

A Consulta Pública nº 111/2024 propõe uma série de regulamentações sobre as operações com ativos virtuais, com ênfase nas transferências internacionais de criptoativos e sua conexão com o mercado de câmbio. 

Essa consulta busca regulamentar as atividades relacionadas à custódia, transferência e movimentação internacional de ativos virtuais, com foco em garantir maior segurança e transparência nessas operações. O Bacen visa adaptar o mercado de criptoativos ao sistema financeiro nacional, estabelecendo diretrizes claras para sua integração com o mercado de câmbio.

Um dos principais pontos da proposta é a inclusão das operações de ativos virtuais no mercado de câmbio. Isso abrange operações como pagamentos internacionais, compra, venda, troca e custódia de ativos virtuais.

As transferências internacionais envolvendo criptoativos, tanto entre residentes quanto não residentes, estão no centro dessa regulação, exigindo a autorização das prestadoras de serviços de ativos virtuais que desejam operar nesse setor.

Autocustódia e fluxos de capital dos criptoativos

A proposta, inicialmente, traz restrições sobre o uso de carteiras autocustodiadas por não residentes, visando aumentar o controle sobre as transações e garantir a conformidade regulatória. Essas medidas são vistas como necessárias para integrar de forma segura os ativos virtuais ao sistema financeiro tradicional sem comprometer a inovação e a liberdade associada ao uso de criptoativos.

Outro aspecto importante da consulta é a regulamentação dos fluxos de capital estrangeiro e nacional, que devem seguir as normas de compliance e as exigências do Banco Central. A transparência nas operações e a supervisão de compliance se destacam como requisitos essenciais, garantindo que todas as partes envolvidas nas transações de criptoativos cumpram as obrigações legais e regulamentares.

Essa proposta tem gerado discussões intensas no setor de criptoativos, especialmente no que diz respeito às restrições nas transferências de stablecoins e a necessidade de maior controle sobre carteiras privadas.

Críticas e reações sobre a proibição de autocustódia das Stablecoins

Uma Stablecoin, conforme definição proposta na regulamentação, é um ativo virtual criado com o propósito de manter seu valor estável em relação ao valor de uma moeda fiduciária de referência ou de um índice que indique o valor de uma cesta de moedas fiduciárias de referência (por exemplo, 1 USDT é igual a $1 US Dolar).

A proposta de proibição das transferências de stablecoins para carteiras de autocustódia gerou fortes críticas no setor de criptoativos, especialmente por parte de defensores da liberdade financeira e da autonomia do usuário, que são características desse mercado. 

Essas críticas se baseiam no argumento de que a proibição infringe a liberdade individual dos usuários para controlar seus próprios ativos, algo que é um dos princípios fundamentais das criptomoedas. A capacidade de armazenar e gerenciar os ativos de forma privada e descentralizada, em carteiras pessoais, é vista como uma característica essencial das tecnologias de blockchain e criptoativos.

Há ainda um receio de que, ao impor esse tipo de restrição, o Banco Central esteja criando um precedente regulatório que limita a liberdade econômica. Isso enfraqueceria a proposta de um mercado mais descentralizado, que é a base do ecossistema de criptoativos. 

A centralização das transações dentro de plataformas controladas já é vista com desconfiança. Por outro lado, um ambiente regulado traz mais segurança e fortalece a criação desse novo mercado. 

No entanto, proibir a autocustódia de criptoativos (stablecoins) por quem assim o desejar está sendo visto como uma tentativa de controle excessivo do mercado, algo que vai contra os princípios de liberdade e inovação que a blockchain e as criptomoedas representam. Seria o equivalente a proibir o cidadão de ter dinheiro em espécie guardado num cofre em casa, o que realmente soa muito mal.

Nova posição do Bacen após as críticas

Após as críticas recebidas, o Banco Central do Brasil reconheceu a necessidade de revisar a proposta de proibição. Em audiência pública, representantes do Bacen indicaram que poderiam reconsiderar a medida, desde que fossem apresentadas soluções alternativas que garantissem a transparência das transações, sem a necessidade de restringir o uso de carteiras de autocustódia. 

O Bacen abriu um espaço para que propostas que assegurem monitoramento adequado das transações realizadas em carteiras privadas sejam discutidas. Essa mudança de posição reflete uma disposição para balancear a segurança e a liberdade dos usuários, permitindo maior flexibilidade no uso das tecnologias de blockchain.

Ficou claro que o Bacen tem a intenção de promover um ambiente regulatório mais seguro e transparente, mas, deve ter cuidado para não comprometer os princípios de liberdade e inovação que são centrais no ecossistema de criptoativos.

Como as cooperativas de crédito poderão atuar no mercado de ativos virtuais

Com base nas propostas das Consultas Públicas nº 109, 110 e 111 e na legislação vigente, a regulamentação permitirá às instituições financeiras desempenharem um papel fundamental no mercado de ativos virtuais, trazendo a experiência do mercado de criptomoedas descentralizado para dentro de um ambiente regulado e transparente. 

Esse mercado hoje é explorado predominantemente pelas “Corretoras de Criptomoedas”, conhecidas como “Exchanges”. A atuação dessas instituições deve seguir alguns parâmetros, com base na legislação e na futura regulamentação que emergirá dessas consultas.

Atendendo à proposta desse artigo, já faremos uma referência direta às cooperativas de crédito para melhor compreendermos como poderão atuar:

  1. Apoio à Estrutura de PSAVs: as cooperativas de crédito poderão atuar como intermediárias ou custodiantes de criptoativos, oferecendo aos cooperados segurança e alternativas inovadoras, respaldadas pela regulamentação do Bacen. Em um ambiente seguro e regulado, as cooperativas terão a oportunidade de explorar e oferecer produtos e serviços no mercado descentralizado, como soluções financeiras baseadas em blockchain e DeFi (finanças descentralizadas), sempre alinhadas às diretrizes da autoridade reguladora.
  2. Participação no Mercado de Câmbio e Custódia: Com a regulação proposta pela Consulta Pública nº 110, as cooperativas de crédito terão a possibilidade de atuar também no mercado de câmbio de criptoativos, com destaque para as operações de compra e venda de stablecoins. A regulamentação exigirá adaptação às novas regras, cumprindo requisitos rigorosos de governança e fiscalização, permitindo uma integração mais segura e eficiente com o mercado financeiro tradicional.
  3. Limitações e Monitoramento das Transferências de Stablecoins: As cooperativas acompanharão as delimitações do Bacen, ajustando seus sistemas para garantir que todas as transações ocorram dentro de plataformas regulamentadas e monitoradas, caso a proibição de autocustódia seja mantida ou parcialmente ajustada. Isso representa uma oportunidade para o setor cooperativo se posicionar como um agente de segurança e controle no ambiente de criptoativos, principalmente para ofertar novas alternativas de investimento e operações para seus cooperados, além de atrair aqueles que já operam no mercado descentralizado de ativos virtuais (criptomoedas). Outro ponto, o limite de US$ 100 mil para transferências internacionais pode abrir portas para as cooperativas de crédito na oferta de serviços de remessa e pagamento internacional, utilizando stablecoins de forma segura, monitorada e ágil.

O que esperar da nova regulamentação

A regulamentação proveniente das consultas públicas seguirá, com certeza, a linha de segurança, transparência e controle no mercado de criptoativos, conforme delineado nas propostas normativas. 

As novas regras terão como base a Lei nº 14.478/2022, que regulamenta os ativos virtuais no Brasil, e o Decreto nº 11.563/2023, que complementa a aplicação da lei atribuindo ao Banco Central do Brasil a responsabilidade pela supervisão, regulamentação e autorização das prestadoras de serviços de criptoativos.

A Lei nº 14.478/2022, conhecida como Lei dos Criptoativos, estabelece diretrizes para a operação das prestadoras de serviços de ativos virtuais no Brasil, definindo regras para a prevenção à lavagem de dinheiro, combate ao financiamento do terrorismo e requisitos operacionais dessas prestadoras. 

Esse marco legal visa criar um ambiente mais seguro para as transações com criptoativos, regulamentando especificamente as atividades dessas entidades.

O Decreto nº 11.563/2023, que regulamenta a Lei nº 14.478/2022, definiu o Banco Central como a entidade reguladora no setor de criptoativos. Dessa forma, o Bacen será responsável pela autorização e fiscalização das prestadoras de serviços de criptoativos, incluindo a regulamentação da custódia de ativos virtuais, as normas de governança e os critérios de segurança para a realização de transações.

De olho nas regulamentações

É importante ressaltar que, dependendo da finalidade e natureza jurídica do ativo virtual, será necessário observar também as normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a legislação específica sobre ativos mobiliários. Trataremos desse tópico em outra oportunidade. 

O importante, nesse momento, é ter em mente as inúmeras possibilidades que o mercado de ativos virtuais oferece e estar preparado para agir conforme as novas regras forem definidas.

Como órgão regulador, o Bacen está, assim, criando uma estrutura que permitirá a expansão do mercado de criptoativos no Brasil, ao mesmo tempo em que promove um ambiente para as instituições que regulamenta e fiscaliza, protege usuários, investidores e mantém a integridade financeira do sistema.

Com base nessas mudanças, as cooperativas de crédito, principalmente as organizadas em sistemas, terão a oportunidade de operarem e posicionarem nesse novo mercado de ativos virtuais, ofertando produtos e serviços inovadores a seus cooperados, respaldadas por uma regulamentação clara e segura.

Conclusão: o futuro dos criptoativos

A regulamentação proposta pelo Bacen representa uma oportunidade significativa para as cooperativas de crédito se posicionarem de maneira inovadora no mercado de ativos virtuais, particularmente dentro do ecossistema de finanças descentralizadas (DeFi). 

As mudanças previstas nas consultas públicas não só criarão um ambiente mais seguro para as cooperativas de crédito, mas também permitirão que elas se integrem plenamente ao mercado digital, oferecendo novos produtos e serviços aos seus cooperados.

A regulamentação do Bacen está em andamento, mas com base nas diretrizes já discutidas é possível antecipar um cenário promissor para as cooperativas que se prepararem para esse novo contexto. 

Embora a regulamentação traga desafios e novas exigências, ela também abre portas para um mercado inovador, permitindo que as cooperativas de crédito se destaquem, expandam suas ofertas e atendam à crescente demanda por serviços financeiros descentralizados.

As cooperativas de crédito devem acompanhar de perto o andamento da regulamentação e se preparar para as novas oportunidades que surgirão. O momento é de entender as mudanças, adotar as novas tecnologias e se posicionar estrategicamente para não apenas acompanhar, mas liderar a transformação do setor financeiro.

Além disso, vale destacar que, paralelamente às regulamentações discutidas neste artigo, o Banco Central do Brasil está desenvolvendo a segunda fase do DREX, o Real Digital, com conclusão prevista para 2025. Esse avanço, juntamente com as novas regulamentações, marcará um ano crucial para as cooperativas de crédito, oferecendo oportunidades significativas para inovação e expansão no mercado financeiro digital.

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