O enfrentamento à pandemia teve como estratégia o isolamento social e como consequências, dentre outras, tivemos redução do consumo de massa, digitalização de negócios, automação de processos, ampliação da concorrência internacional, concentração de mercado nas mãos de grandes players e aprofundamento da crise fiscal.
Não estamos criticando o isolamento social, mas apenas registrando alguns de seus efeitos, que diuturnamente estão nas pautas de grandes economistas e da mídia especializada.
Inquestionável é o fato de que o vírus também gerou uma “pandemia econômica” e alterou em definitivo todos os mercados. Para aqueles que acreditam que com a retomada da vida no “novo normal” tudo será como antes, infelizmente temos que dizer que não será tão simples assim.
Segundo números divulgados pela Confederação Nacional do Comércio, as vendas digitais de janeiro a junho de 2020, tiveram um crescimento de 142% na comparação com o mesmo período de 2019.
O mercado de automação também teve um crescimento e tem implantado soluções em todos os setores, desde os mais tradicionais como a indústria até o setor de serviços especializados como os contábeis e jurídicos, que passaram a adotar inteligência artificial diminuindo a necessidade de pessoal nas atividades repetitivas.
Setores como o de call center vem sendo substituídos por URAS inteligentes e os bancos digitais, assim como a digitalização dos bancos tradicionais têm tido um crescimento elevado, gerando o fechamento de centenas de agências em todo o Brasil.
Já existem alguns projetos de lei que visam acabar ou reduzir o dinheiro de papel, assim o real viraria uma espécie de criptomoeda, o que forçaria todos os brasileiros a ir para o digital.
Claro que essas tendências demandam alguns investimentos em infraestrutura de comunicação, logística e outros, mas esses investimentos estão acontecendo e, nos grandes centros, essas mudanças, em grande parte, já são realidade e já foram incorporadas na rotina dos brasileiros.
E importar um produto, por menor que seja seu valor, passou a ser uma questão de 2 ou 3 cliques. Os produtos são entregues com rapidez e com o desembaraço aduaneiro e tributação já inclusos no preço.
Todas essas mudanças na rotina de consumo e produção nacionais somadas aos efeitos econômicos da pandemia, terão como consequência irreversível o fim de milhões de postos de trabalho e o fechamento de milhares de empresas.
A saída da FORD depois de décadas em solo nacional é um exemplo disso. Redução do consumo de massa somadas às facilidades logísticas atuais de importação e ao risco de corte dos subsídios em razão da crise fiscal podem ser alguns dos motivos que levaram a empresa a essa decisão.
No extremo oposto desse cenário estão as cooperativas brasileiras.
As cooperativas agropecuárias foram as grandes responsáveis pelo saldo positivo na balança comercial. O maior plano de saúde privado do mundo é operado por um sistema cooperativo e atuando em colaboração com o SUS, tem sido um dos principais instrumentos de enfrentamento da Covid-19 em nosso país.
Ao contrário dos bancos, as cooperativas financeiras e de crédito ampliaram suas operações, reduziram juros, aumentaram a carência e oferta de crédito e ainda abriram centenas de novas agências em 2020.
As cooperativas de carga tiveram um papel fundamental para continuidade do abastecimento nacional e as de transporte de passageiros acabaram convertendo parte de suas operações para atender o aumento da demanda logística neste período.
O setor foi um dos que menos demitiu funcionários. No Estado do Rio de Janeiro houve aumento no número de empregados das cooperativas e até de cooperados em alguns casos.
Mágica? De modo algum. O fato é que as cooperativas têm a humanização da economia como um pilar. Cooperativismo é gente, está conectada às pessoas que a formam e por consequência à localidade onde tem suas operações.
Nenhuma cooperativa se muda de país em razão do fim dos subsídios, que aliás praticamente não existem para o setor que paga cargas mais altas que muitas empresas estrangeiras.
Cooperativas têm por finalidade promover a justiça distributiva e democracia econômica, sem abrir mão da meritocracia, mas uma meritocracia não violenta, já que todos têm as mesmas oportunidades, mas também as mesmas possibilidades nos negócios cooperativos.
Existem pesquisas que demonstram que o IDH em cidades onde temos cooperativas é maior do que aquele encontrado em cidades onde o cooperativismo não se estabeleceu com sucesso.
Cooperativas não formam bilionários. Quando faturam bilhões distribuem entre os cooperados, sempre na razão direta de seu consumo, trabalho ou produção. O dinheiro fica nas localidades onde é produzido e circula intensamente, gerando uma economia vívida e próspera.
Centenas de cidades do interior do Brasil são prósperas por conta das cooperativas ou mesmo se mantêm apoiadas pelo cooperativismo. Não são raros os casos em que as prefeituras são os maiores empregadores de pequenas cidades, mas aquelas onde temos cooperativas de sucesso isso não acontece. É o caso de Macuco, no Rio de Janeiro, onde a prefeitura é a segunda maior empregadora, perdendo para a cooperativa agropecuária local.
Governos que optarem por investir em subsídios para multinacionais que os convertem em lucros e os enviam para o exterior tendem a fracassar na geração de renda e ao menor sinal de crise ou de oportunidade de redução de custos, essas empresas pegam suas malas e deixam o país sem qualquer cerimônia.
A pandemia econômica tem como vacina o investimento em negócios locais, em empreendedorismo individual e coletivo e, no caso do coletivo, tem as cooperativas como principal instrumento.
Mas é preciso remover amarras, garantir tributação adequada e justa, e por justa não estamos falando de subsídios, mas ao menos não mais gravosa que aquela conferida a empresas de mesmo porte e setor.
Se as 300 maiores cooperativas do mundo estivessem em um único país e fossem as únicas empresas dessa localidade, teríamos a 7ª maior economia mundial, superando países como Itália, por exemplo. Das 300 maiores temos diversas cooperativas brasileiras.
Algumas das maiores cooperativas do mundo são seguradoras e no Brasil, a legislação reservou esse privilégio apenas às Sociedades Anônimas, uma reserva de mercado sem qualquer justificativa técnica.
É preciso romper com essas amarras econômicas, acabar com as reservas de mercado e investir no empreendedorismo cooperativo como meio para vencer a crise.
Empresas que faliram nesta pandemia podem ser convertidas em cooperativas formadas por seus funcionários ou multinacionais que desejam ir embora do Brasil podem negociar a transferência de fábricas para seus funcionários que, organizados em cooperativas, dariam
continuidade ao negócio. Cabe ao BNDES e outras agências de fomento aplicarem seus recursos em projetos como esses ou ficar lamentando o aprofundamento do desemprego e da desindustrialização.
Os bilhões em subsídios poderiam estar sendo aplicados no desenvolvimento da indústria nacional, do setor de tecnologia nacional, do setor de serviço e comércio do Brasil e o que é mais nacional do que um modelo de negócios onde milhões de brasileiros locais ficam com a riqueza produzida e a fazem girar em suas cidades?
O cooperativismo é uma das melhores “vacinas” disponíveis para o enfrentamento da “pandemia econômica” que já assola o Brasil.
*Artigo escrito por Abdul Nasser, Superintendente do Sescoop-RJ; Sócio do NTBS Advogados coordenando a área de Direito Cooperativo; Professor da FGV Incompany e do ICoop em cursos de Pós-Graduação voltados a cooperativas; Professor do IBMEC no LLM de Direito Tributário e Contabilidade; e ex-Conselheiro do CARF e do CRPS.