A música está presente em todos os lugares: propagandas, filmes, lojas, restaurantes, elevadores… e em cooperativas! Existe um ponto em que o cooperativismo e o universo musical se interceptam e trabalham juntos: são as cooperativas de música!
A chamada economia criativa é um modelo que visa além do crescimento econômico e busca unir cultura, criatividade, inovação, tecnologia e sustentabilidade. Essa indústria é dividida em quatro eixos: patrimônio, artes, mídia e criações funcionais.
Esse novo sistema econômico está em constante crescimento – atualmente ele representa 7% do PIB mundial e pode crescer 10% e 20% nos próximos anos. A economia criativa engloba o mercado artístico em setores como cultura, artesanato, design, arquitetura, games, gastronomia e cinema.
O cooperativismo também está ocupando seu espaço nesse setor, tornando-o mais colaborativo, descentralizado e empoderando artistas. As cooperativas de música atuam para tornar esse setor mais afinado com a economia colaborativa. Confira algumas atuações do cooperativismo no mundo da música!
Cooperativismo de Plataforma no streaming
Plataformas de música são um sucesso atualmente, e é claro que o cooperativismo faz parte desse hit. Por meio do cooperativismo de plataforma é possível garantir mais equidade na hora da divisão das receitas.
Por mais que a participação nos aplicativos de streaming musical seja aberta para todos, pequenos artistas encontram dificuldade em manter uma renda estável. Além disso, a lógica dos algoritmos representa uma barreira para artistas independentes.
Os músicos não têm controle sobre o funcionamento das plataformas e a parcela de ganhos que é distribuída a eles é muito pequena. Ao invés de concentrar todo dinheiro arrecadado pelo streaming nas mãos dos donos do aplicativo, a gestão democrática e propriedade compartilhada do cooperativismo de plataforma permite que os ganhos sejam divididos entre os artistas, que também são os donos do programa.
Resonate: pioneirismo nas plataformas cooperativas
Esse modelo de streaming cooperativo já é uma realidade. A Resonate, fundada em 2015, foi pioneira nesse formato. A cooperativa criou a cobrança Stream2own (ouça e torne-se dono), em que na primeira vez que o usuário ouve uma música, ele paga apenas 0,02 créditos. A cada vez que ele a ouvir novamente, o valor dobra, até que na nona vez que escuta a música, alcança o valor inteiro dela. Depois disso, se torna dono da canção e não precisa mais pagar para ouví-la.
A ideia é que, diferentemente dos streamings tradicionais, o usuário paga mais pelas músicas que gosta do que das que não gosta. Além disso, o preço do download é dividido em nove vezes e os artistas são remunerados de acordo com a quantidade de execuções de suas músicas.
A Resonate cobra 30% de comissão e todo o restante é direcionado para os músicos. As sobras são repartidas em 45% para os artistas, 20% para os funcionários e 35% para os ouvintes.
Apenas nos três primeiros anos, a cooperativa obteve adesão de pelo menos 3.100 artistas e 400 selos independentes, além de 2.500 usuários cadastrados na plataforma. A plataforma também conta com uma sede nos Estados Unidos e outra na Alemanha.
Ampled: lições e estudo de caso para o mercado
A Ampled, dos Estados Unidos, é outro exemplo de sucesso desse modelo. A plataforma nasceu em 2018 a partir da união de artistas e especialistas em tecnologia. A cooperativa funcionava com uma estrutura de governança democrática, baseada em três categorias de membros: artistas-proprietários, trabalhadores-proprietários e membros da comunidade, cada uma delas operando na dinâmica de um voto por pessoa.
Mesmo investidores e fundadores deveriam se encaixar em um desses nichos, sem privilégio de votos. Em caso de saldo financeiro positivo, a divisão era feita de acordo com critérios pré-definidos: 85% era distribuído entre os artistas-proprietários, e 15% entre os trabalhadores-proprietários.
Após uma jornada marcante, a Ampled decidiu chegar ao fim em 2023, principalmente por falta de recursos para contratar colaboradores. Os líderes do projeto compartilharam seus aprendizados para que a experiência da Ampled seja um estudo de caso para futuras iniciativas de cooperativas de música e de plataforma.
“Isso é um revés. No entanto, queremos encorajar uns aos outros a manter a fé, o otimismo e a imaginação. Isso não deve ser mal interpretado como um sinal de que as cooperativas de plataforma não podem ter sucesso”, explicaram os diretores da cooperativa em comunicado oficial.
Cooperativas de música empoderam artistas
Existem cooperativas fundadas por músicos para prestar apoio aos seus colegas de profissão e até desenvolverem músicas juntos. A ideia principal é que os artistas cooperem em busca de um sucesso coletivo ao invés de competir pelo estrelato individual, assim como a indústria incentiva.
Esse modelo de cooperativas auxilia os artistas em diversos níveis: desde divulgação e locais para performances até aulas para aperfeiçoamento de técnicas. Além disso, essas coops permitem a integração entre músicos para que eles possam encontrar novas oportunidades e divulgar o trabalho.
Groupmuse promove concertos
O Groupmuse é uma cooperativa de músicos dedicada em proporcionar oportunidades para apresentações intimistas ao vivo nos Estados Unidos. A cooperativa proporciona espetáculos de música clássica e tradicional.
Ele funciona como uma plataforma online em que anfitriões e artistas organizam concertos fora de palcos tradicionais. Dessa forma, as apresentações ocorrem em salões domésticos, quintais, igrejas e parques públicos, por exemplo.
Por meio da plataforma digital, os artistas podem contactar os anfitriões, agendar concertos, receber pagamentos dos espectadores, enviar convites e acompanhar a lista de convidados. A cooperativa, portanto, dá autonomia aos artistas, que não mais dependem de agentes para conseguir trabalhos.
Cooperativa de Música Experimental promove artistas moçambicanos
A Cooperativa de Música Experimental é um coletivo de Moçambique que faz a curadoria e mentoria de artistas, além da gravação de seus álbuns a partir de parcerias com produtores e estúdios nacionais. A cooperativa também se responsabiliza por toda a promoção das obras dos músicos através de uma plataforma digital e das redes sociais.
O projeto recebe apoio do Procultura, uma ação financiada pela União Europeia e gerida pelo Instituto Camões. O escopo do projeto também engloba a realização de shows para promover os artistas locais.
New York Music Cooperative fomenta comunidade musical
A New York Music Cooperative (Cooperativa de Música de Nova York) promove a integração entre artistas e fornece aulas de música não apenas para eles, mas também para qualquer cidadão da área metropolitana de Nova Iorque.
A ideia do projeto é criar uma comunidade de músicos, onde eles possam se sentir acolhidos e incentivados a continuar suas carreiras.
Canadian Musicians Cooperative apoia artistas
Criada em 2018, a Canadian Musicians Cooperative é uma organização canadense que incentiva carreiras de músicos independentes de inúmeras maneiras. Além de organizar diversos workshops para artistas sobre a indústria musical, a coop os ajuda a conseguir empregos na área.
A cooperativa também conta com programas como No More Starving Artists Program (Programa do Fim da Fome entre Artistas), que provê alimentação aos músicos para que eles possam focar totalmente em sua carreira artística, sem se preocupar com a insegurança alimentar.
Cooperativa de música ao vivo: uma arena de shows
Espaços cooperativos para shows? Essa é uma nova realidade! A Co-op Live é uma cooperativa criada pelo Oak View Group, maior desenvolvedor de esportes e entretenimento do mundo, e do City Football Group, que é dono do Manchester City e do Bahia, dentre outros clubes mundo afora. A inauguração do espaço aconteceu em 14 de maio de 2024.
A arena tem um design especial com um teto mais baixo e cadeiras mais próximas do palco, dando a impressão de proximidade maior entre os fãs e os artistas, e tem capacidade máxima maior do que qualquer arena coberta da Europa. Mesmo com inauguração recente, o espaço já tem grandes shows planejados. Nomes como Pearl Jam, Travis Scott, Billie Eilish, Eric Clapton e Jonas Brothers se apresentarão lá nos próximos meses.
Além de ter sido imaginada por uma multinacional e receber investimentos de diversas organizações, a arena conta com um parceiro muito especial. O músico pop Harry Styles, cujo primeiro emprego foi como entregador de jornal para uma cooperativa, é um grande investidor do projeto.
“Me senti atraído por esse projeto em todos os níveis, pela oportunidade que ele representa, pela contribuição que ele traz para cidade, e mais importante, porque vai permitir que haja mais música ao vivo em Manchester. É só mais um sinal que essa cidade incrível continuará crescendo”, disse o cantor à equipe da Co-op Live.
Cuidando da Comunidade
Apesar de um dos grandes objetivos da cooperativa ser levar cultura e entretenimento à Manchester, a organização se preocupa muito com o bem-estar da comunidade. Em adição aos empregos que o novo espaço gerou, a coop conta com diversas ações de sustentabilidade para cuidar dos arredores. O projeto arquitetônico, por exemplo, preza pela cautela em relação ao barulho, para que nenhum som dos concertos incomode a vizinhança.
A arena também oferece ingressos com preços mais acessíveis e faz eventos gratuitos e abertos à comunidade periodicamente. Unidos à Co-op Foundation, a Co-op Live tem a meta de doar pelo menos 1 milhão de libras anualmente a projetos locais, e mais 200 mil libras para centros de caridade apoiados pelo Conselho Municipal de Manchester.
Cooperativas de música e educação
A música pode se unir à educação para tornar o cooperativismo cada vez mais conhecido. Muitas cooperativas utilizam da música para enriquecer a comunidade e conscientizá-la sobre o modelo de negócios. Por meio de canções que explicam os princípios cooperativistas e de escolas que promovem aulas de música, as coops conseguem trabalhar no desenvolvimento geral da comunidade.
Propagação do Cooperativismo
A UniJazz Brasil, fundada há sete anos, é uma dessas organizações determinada a espalhar a palavra do cooperativismo. A coop carioca produz diversas músicas que explicam os conceitos cooperativistas e convidam o público a conhecer mais sobre o modelo de negócios.
A canção “Por um Rio de Janeiro Mais Cooperativo”, que contou com apoio do Sistema OCB/RJ, difunde as atuações e benefícios do cooperativismo no estado. Cooperativas tocaram toda a produção do projeto – desde a realização do videoclipe até a estratégia de divulgação.
A UniJazz Brasil também conta com orquestra que, assim como a banda de jazz, toca em festas e eventos. Além disso, a coop conta com o projeto Transformando Sonhos, focado no ensino de música gratuito em prol da transformação social comunitária.
Educação Musical
A Musicians Union é parte da Co-operatives UK, grupo guarda-chuva que engloba todas as cooperativas do Reino Unido. A organização reúne professores e artistas que se comprometem a oferecer aulas de música a um preço justo para a comunidade.
Seguindo os princípios do cooperativismo, os professores são auto-empregados e concordam com políticas que garantem que o ensino levado às escolas será do mais alto padrão. O dinheiro arrecadado se converte em salários para os profissionais pelas aulas, e cabe a eles decidirem democraticamente a parcela dessa quantia que desejam doar à cooperativa.
Conclusão
A música e o cooperativismo estão bem mais próximos do que se pode imaginar. Existem cooperativas atuando em diversos ramos do universo musical, desde plataformas de streaming e arenas de shows, até as que trabalham para apoiar os artistas e trazer cultura e conhecimento à comunidade.
Independentemente da área, é inegável a vasta atuação das cooperativas na economia criativa. Essa indústria tem crescido cada vez mais e abrindo espaço para que o cooperativismo faça parte dela. Até porque em um mercado tão competitivo como o artístico, cooperar pelo sucesso coletivo é muito melhor que competir pelo êxito individual!