Crédito do Trabalhador: como programa de crédito consignado privado afeta as cooperativas

No dia 12 de março, o Governo Federal lançou o programa Crédito do Trabalhador, que oferece taxas mais baixas para crédito consignado usando o saldo do FGTS como garantia. A medida provisória, prevista para entrar em vigor a partir de 21/03, traz mudanças significativas para o mercado de crédito cooperativo, como o aumento da competitividade com outras instituições financeiras.

A medida visa oferecer uma opção mais acessível para os trabalhadores pagarem seus empréstimos. Atualmente, mais de 47 milhões de brasileiros pagam juros mensais maiores do que 5% no crédito pessoal, declarou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

As cooperativas de crédito, como instituições financeiras que buscam promover a inclusão financeira de seus cooperados, se destacam no mercado por serem mais acessíveis. Os possíveis desdobramentos da MP no cooperativismo financeiro ainda são incertos, mas a concorrência no mercado pode trazer marcos relevantes marcos às cooperativas de crédito.

Especialistas da área preveem uma transformação no ramo crédito. Segundo representantes e fornecedores do setor ouvidos pela Coonecta, essas instituições financeiras precisarão se reinventar, fortalecer os relacionamentos e avançar tecnologicamente para manter seu espaço nesse mercado. 

Haverá dificuldades, especialmente para cooperativas independentes, mas a virada na curva também significa um novo horizonte de possibilidades. Os especialistas afirmam que, se as cooperativas souberem se preparar, o momento pode ser ideal para conquistar cada vez mais cooperados. 

O que é o Crédito do Trabalhador

A linha de crédito anunciada pelo governo é um novo tipo de empréstimo consignado. Nesse modelo, trabalhadores com carteira assinada – incluindo CLTs, empregados domésticos, trabalhadores rurais e MEIs formalizados – poderão ter acesso a empréstimos com descontos.

No aplicativo da Carteira de Trabalho Digital, os trabalhadores podem fazer um pedido de empréstimo e acatar a melhor proposta sugerida pelos bancos cadastrados. Segundo o ministério da fazenda, a estimativa é que o programa conte com mais de 80 instituições financeiras habilitadas.

Pelo programa, as parcelas de empréstimos serão descontadas diretamente na folha de pagamento. A previsão é que os juros possam cair pela metade ou mais, com a garantia de pagamento do empréstimo sendo até 10% do saldo no FGTS e, em caso de demissão, 100% da multa rescisória.

Benefícios para os usuários

Segundo Ivo Lara, presidente da Federação Nacional das Cooperativas de Crédito (FNCC), os impactos para a população podem ser positivos, uma vez que o crédito consignado é uma das modalidades de empréstimo mais acessíveis. 

“Ele permite que as pessoas tenham acesso a recursos financeiros para cobrir despesas emergenciais, concentrar endividamento trocando dívidas mais caras por dívidas mais baratas, investir em educação, saúde ou até mesmo em pequenos negócios”, explica.

Para ele, se utilizado de forma consciente, as taxas de juros mais baixas do crédito consignado podem ajudar a reduzir o endividamento.

Como as cooperativas podem ser impactadas pelo Crédito do Trabalhador

Atualmente, as cooperativas de crédito já oferecem taxas mais baratas em empréstimo consignado. Esse tipo de empréstimo, que desconta diretamente da aposentadoria de pessoas aposentadas e do salário de servidores públicos ou privados (com autorização prévia da empresa), costuma ter as menores taxas de juros no Brasil ao ser concedida por cooperativas.

No estudo Cooperativas de crédito e competitividade no mercado financeiro brasileiro: uma análise das taxas de juros, publicado em dezembro de 2023, os pesquisadores apontaram que “enquanto os bancos operaram com taxas médias de 14,89%, as cooperativas operavam com 11,81% de juros sobre os empréstimos e títulos descontados”, de acordo com análises feitas em municípios onde ambos modelos de instituições financeiras atuam.

Com taxas mais baratas, mercado de crédito consignado deve aumentar

Com o novo programa, taxas mais baixas também serão oferecidas por outras instituições financeiras, o que pode representar um novo desafio para as cooperativas. Ainda é cedo para saber ao certo o impacto da nova medida no cooperativismo, mas tanto a concorrência quanto a demanda pelo serviço podem aumentar. 

“Precisamos entender como o mercado tradicional irá reagir ao programa. As cooperativas, que já são conhecidas por oferecerem taxas de juros mais competitivas e serviços personalizados, podem se beneficiar do aumento da demanda por crédito consignado. Isso pode levar a uma expansão do mercado para essas instituições”, reflete Ivo Lara.

Para ele, o programa pode fortalecer as cooperativas de crédito, que são importantes players no sistema financeiro, especialmente em regiões onde os bancos tradicionais têm menor presença. “Isso pode levar a um aumento da concorrência no setor financeiro, beneficiando seus cooperados”, frisa.

Segundo Thiago Borba Abrantes, coordenador do Ramo Crédito na OCB, ainda é cedo para tecer qualquer comentário sobre a MP. “Estamos avaliando, junto com as cooperativas, os possíveis impactos – positivos e negativos – da medida, e a forma de participação destas na nova ferramenta”, comentou.

Procurados, o Sistema Sicredi e o Sistema Ailos preferiram não se pronunciar sobre o tema. O Sistema Sicoob não respondeu às perguntas até o fechamento da reportagem. 

Desafios: cooperativas ganham grandes concorrentes com o Crédito ao Trabalhador

Cooperativas independentes formadas por colaboradores de grandes empresas surgem visando fortalecer o capital financeiro dos trabalhadores. Um exemplo é a cooperativa BeCooper, antes chamada de CooperJohnson. A Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Empregados da Johnson e Johnson foi fundada em janeiro de 1973, em São José dos Campos (SP), pelos próprios funcionários da companhia. 

A ideia desse modelo de instituição financeira é construir, com recursos individuais de cada funcionário, um capital coletivo que beneficia todos os cooperados. Com a nova MP, que tem até quatro meses para ser aprovada pelo Congresso Nacional e se transformar em lei federal, cooperativas independentes ganham competidores acirrados.

Em novo programa, é importante garantir o apoio a cooperativas menores

“Infelizmente, nossas cooperativas singulares não foram envolvidas no processo inicial de construção ou entendimento da MP. Desta forma, precisaremos acelerar o entendimento, as autorizações e implementações possuem curtíssimo prazo para serem executadas e ainda temos muitas dúvidas”, considera o presidente da FNCC. 

Ele ainda reforça a importância de garantir que as cooperativas, especialmente as menores, tenham apoio para se adaptar às mudanças. Afinal, “essas cooperativas há muitos anos cumprem seu papel de inclusão financeira e democratização do crédito”. 

Tecnologia e atendimento podem ser peças-chave para fortalecer o cooperativismo

As cooperativas de crédito, que antes tinham no relacionamento com as empresas conveniadas um diferencial competitivo para alcançar o associado, agora precisarão adotar uma abordagem ainda mais ativa e estratégica para manter sua relevância. Assim explica Tom Luiz, executivo comercial da Threeo It Company, que presta serviços para cooperativas de crédito.

Segundo ele, o desafio central que o mercado cooperativo vai enfrentar é a ampliação da concorrência. “O associado passa a ter total liberdade de escolha, exigindo das cooperativas um esforço redobrado para demonstrar seu valor e garantir a retenção dos cooperados”, pontua.

Para manter a relevância e competitividade no mercado, Tom acredita que as cooperativas deverão investir em avanços tecnológicos e no atendimento de qualidade, a fim de fortalecer ainda mais a relação com seus cooperados.

“A decisão do Governo Federal foi centralizar as solicitações do consignado, integrando ferramentas do eSocial. Internamente, as cooperativas terão de reorganizar os seus fluxos, automatizar processos para um melhor direcionamento das demandas que vão receber”, afirma.

Mudanças podem trazer uma oportunidade de crescimento

Por conta disso, as cooperativas que conseguirem transformar essa mudança em oportunidade para modernizar seus processos e a experiência do cooperado terão uma vantagem competitiva significativa.

“Embora algumas cooperativas já contem com uma estrutura tecnológica robusta, a maioria precisará investir em aprimoramentos para acompanhar essa nova realidade. Mais do que nunca, a tecnologia se torna um diferencial estratégico”, completa Tom Luiz.

Ivo Lara concorda que será um momento desafiador para a expansão do quadro de adesão dos cooperados, e que o fortalecimento da relação com os associados pode ser um diferencial das cooperativas. 

Momento de fortalecer o cooperativismo

“Precisaremos de muita comunicação assertiva, já que o mercado financeiro tradicional poderá ofertar o crédito a qualquer trabalhador CLT, e as cooperativas precisarão primeiro realizar essa adesão ao quadro social”, aponta.

O profissional acredita que, no momento, é essencial trabalhar no fortalecimento dos valores e cultura cooperativista. “É nosso diferencial. Esse é nosso papel e vai muito além de taxas baixas”, frisa.

Afinal, as cooperativas de crédito têm um papel importante na inclusão financeira e no desenvolvimento técnico e social dos seus cooperados. “O cooperado é dono e decide o futuro da organização. O crédito consignado pode ser uma ferramenta adicional para essas cooperativas promoverem a educação financeira e o desenvolvimento de seus cooperados e comunidade”, conclui Ivo Lara.

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