Branding na era digital: as oportunidades para as cooperativas

Existe um ponto de concordรขncia entre diferentes estudiosos e muitas lideranรงas do mundo cooperativista: as cooperativas falam pouco de si mesmas e, quando falam, quase sempre se voltam para dentro da prรณpria comunidade. Este รฉ o tipo de desafio que pode ser superado por meio do branding (ou gestรฃo de marca, em portuguรชs).

Em outras palavras, o problema รฉ que as marcas de cooperativas aparecem pouco como alternativa de modelo de negรณcio, arranjo de trabalho ou mesmo como escolha cultural para a sociedade em geral – e, menos ainda, para as novas geraรงรตes.

O curioso รฉ que, do ponto de vista dos valores, o cooperativismo apresenta muitas das aspiraรงรตes atuais por organizaรงรตes mais justas, colaborativas e igualitรกrias. Ou seja: o momento รฉ bastante oportuno para se utilizar do branding para disseminar o poder da cooperaรงรฃo.

Afinal, o novo ambiente tecnolรณgico evidencia ainda mais essa necessidade de novas referรชncias e perspectivas, uma vez que agudiza a crise de valor dos modelos de negรณcio vigentes. ร‰ o caso atรฉ mesmo das big techs, que concentram cada vez mais poder e ganho, enfrentando  questionamentos e resistรชncias pelo mundo afora.

Por outro lado, a nova era digital continua a viabilizar o surgimento de novas plataformas, startups e arranjos que criam e compartilham soluรงรตes e facilidades para pรบblicos mais amplos. 

Ou seja, esse tempo continua a ser um tempo em que a cooperaรงรฃo e o compartilhamento resistem como expectativa e necessidade, principalmente para as geraรงรตes mais jovens. Um tempo propรญcio para as cooperativas.  

Os desafios atuais da gestรฃo de marcas

O mundo digital exige muito dinamismo e conexรฃo das marcas, porque as comunidades, tribos e outros grupos culturais que se formam estรฃo, a todo momento, interagindo e estimulando novas demandas e desejos, num processo permanente de mudanรงa e renovaรงรฃo.

As cooperativas tรชm aqui mais um diferencial que fortalece e torna mais vivo o seu branding: elas estรฃo inseridas em um grande movimento mundial que nรฃo para de crescer, com presenรงa hoje em mais de 100 paรญses e reunindo quase 300 milhรตes de pessoas.  

No Brasil, esse movimento aglutina em torno de 15 milhรตes de pessoas que sรฃo cooperadas, alรฉm daqueles que se relacionam com as cooperativas. Todas essas conexรตes dรฃo ร s cooperativas uma capacidade especial para sintonizar e operar com as novas necessidades que surgem de mรบltiplos grupos nas mais diferentes localidades.  

  Enquanto as empresas se esforรงam para criar suas comunidades de influรชncia e diรกlogo, as marcas de cooperativas podem captar, pesquisar e interagir diretamente com a pulsaรงรฃo das tendรชncias e aspiraรงรตes que vรชm de todo esse movimento social e internacional de cooperaรงรฃo.

Para apoiar as cooperativas neste desafio, compartilho uma sรฉrie de recomendaรงรตes e sugestรตes para aliar o branding ao cooperativismo de forma bem sucedida.

Estimule a sinergia entre cooperativismo e branding

As cooperativas sรฃo um modelo de organizaรงรฃo cada vez mais importante e adequado no mundo contemporรขneo. Diante da crise das estruturas de negรณcio e trabalho tradicionais, as cooperativas se afirmam como um projeto alternativo e comprovadamente viรกvel de associaรงรฃo democrรกtica e participativa, com aptidรฃo para realizar objetivos econรดmicos e sociais que promovem valores coletivos e beneficiam comunidades.

ร‰ fato que jรก existem 3 milhรตes de cooperativas no mundo e quase 7.000 organizaรงรตes desse tipo no Brasil. Mas ainda hรก muito espaรงo para se avanรงar, por meio da atualizaรงรฃo desse formato, na busca de relaรงรตes mais equilibradas e justas nos negรณcios e na vida.

Por isso, รฉ pertinente e oportuno estimular a sinergia entre o cooperativismo e o branding (ou gestรฃo de marcas) como parte de uma estratรฉgia maior de geraรงรฃo de valor para o propรณsito e a atitude de cooperar. 

Utilize a gestรฃo de marca como provedora de significado

Na sua versรฃo contemporรขnea, o branding estรก bastante focado na construรงรฃo e representaรงรฃo simbรณlica do sentido e propรณsito das organizaรงรตes, seus produtos e serviรงos.

As marcas sรฃo, portanto, plataformas de definiรงรตes, mensagens, imagens e posturas (sim, marca inspira posturas), que expressam uma promessa e, quanto mais entregam essa promessa, mais ganham relevรขncia  e mais realizam valor nas interaรงรตes com os diversos pรบblicos.

Ora, as cooperativas tรชm tudo para tirar os melhores proveitos do branding, a partir de suas caracterรญsticas singulares e inclusivas de constituiรงรฃo, governanรงa, convivรชncia e apropriaรงรฃo de resultados, o que pode fortalecer em muito as suas marcas como poderosos provedores de significado e sentido para as relaรงรตes e trocas humanas nesse mundo em crise. 

Reforce o propรณsito fundante das cooperativas

Hoje, a pedra fundamental do branding รฉ o que se denomina como propรณsito de marca. ร‰ a razรฃo de ser de uma organizaรงรฃo (e de sua marca), sua crenรงa mais profunda, o sentido que justifica a sua existรชncia e mobiliza as suas forรงas.  

Esse รฉ um primeiro aspecto de definiรงรฃo geral do branding que distingue e confere vantagem especial ร s cooperativas: elas jรก trazem um propรณsito inscrito, gravado na sua prรณpria constituiรงรฃo. As cooperativas nascem para ser coletivas e nรฃo individuais, para distribuir e nรฃo concentrar, para incluir e nรฃo desconsiderar. No Brasil, isto estรก registrado na lei nยบ 5.764/71 e em outros suportes legais.

Assim, as cooperativas devem destacar esse seu propรณsito fundante como valor. Guardam essa grande diferenรงa com outras organizaรงรตes e plataformas que, focadas em interesses mais restritos, tรชm que fazer ginรกstica para explicar o sentido social e coletivo de sua existรชncia. 

Reforce a raรญz cooperativa no nome e sรญmbolos

Embora as marcas, conforme as melhores prรกticas de branding, nรฃo se resumam a um nome na fachada,  as cooperativas carregam um nome e  sรญmbolos gerais que sรฃo fatores distintivos, porque assinalam uma condiรงรฃo que tem a ver com a singularidade da organizaรงรฃo. 

Usar, de forma evidente, e divulgar a denominaรงรฃo cooperativa e os sรญmbolos convencionados (seja os pinheiros no cรญrculo ou o รญcone internacional com o coop entrelaรงado) รฉ outro procedimento simples e poderoso para as marcas cooperadas.

ร‰ uma forma de apresentaรงรฃo que sinaliza que hรก ali uma cultura diferente de outras organizaรงรตes e isso implica, a partir do primeiro contato,  na criaรงรฃo de percepรงรตes e posturas especiais das partes envolvidas. ร‰ como se fosse um selo de origem, uma marca registrada: isto รฉ uma cooperativa.

Envolva os cooperados na divulgaรงรฃo da marca

Aqui vem mais outro grande diferencial das cooperativas em relaรงรฃo ร  gestรฃo de suas marcas: elas sรฃo formadas por uma associaรงรฃo de cooperados que constituem uma rede de corresponsรกveis, por lei, por todas as grandes decisรตes. 

A gestรฃo da marca e seus principais movimentos devem entrar nessa pauta envolvendo sempre os cooperados ou associados. Aliรกs, hoje sรฃo vรกrios os mecanismos e inovaรงรตes que tรชm facilitado essa distribuiรงรฃo de responsabilidades nas cooperativas: dados e relatรณrios partilhados online, plataformas de votaรงรฃo em assemblรฉias e reuniรตes, aplicativos de consulta e pesquisa e muitos outros suportes que asseguram participaรงรฃo e transparรชncia.

Tudo isso permite que cada vez mais envolvidos sejam capazes de se inteirar, responder, participar e atรฉ mesmo representar a cooperativa, como advogados da marca e defensores de sua cultura. Assim, mais do que  empresas tradicionais, as cooperativas contam com mais facilidades para organizar essa grande rede de apoio do seu branding. 

Conte a histรณria da sua cooperativa 

As marcas tรชm se esforรงado para compor uma narrativa ou storytelling que as torne enraizadas nos seus territรณrios e reforce os seus vรญnculos de relacionamento com as pessoas. No caso das cooperativas, reside aรญ mais um componente que, se bem abordado, transforma-se numa enorme oportunidade de fortalecer o potencial e relevรขncia de suas marcas. 

As cooperativas tรชm muita histรณria para contar. De fato, toda cooperativa pertence a uma tradiรงรฃo que comeรงa lรก no sรฉculo XIX, em plena Revoluรงรฃo Industrial, com os pioneiros de Rochdale. Partindo dessa origem comum, cada cooperativa, em sua localidade ou regiรฃo, tem tambรฉm uma histรณria prรณpria a somar na sua marca: com os registros de sua organizaรงรฃo, os desafios enfrentados e as conquistas no seu ramo ou territรณrio. 

Todo esse enredo cria um sentimento de pertencimento para os cooperados, colaboradores e parceiros, porque demonstra que cada marca de cooperativa pertence a um universo maior de resistรชncia, de troca e de realizaรงรฃo. ร‰ precioso o trabalho do branding contar e renovar sempre essa histรณria. 

Busque o equilรญbrio na arquitetura de marca

As cooperativas podem sair reforรงadas tambรฉm no branding no que diz respeito ร  arquitetura, que รฉ maneira como as marcas se organizam quando fazem parte de um mesmo sistema ou grupo. 

Existem basicamente 3 modelos de arquitetura de marca: 1. monolรญtico (quando se usa a mesma marca para todo o sistema) ; 2. de paternidade (que leva um endosso corporativo para todas as marcas do sistema); e 3. independente  (cada marca do grupo รฉ autonรดma). 

Alguns sistemas ou redes cooperativistas tรชm adotado o que se assemelha mais a um modelo de paternidade ou endosso. ร‰ o caso da Unimed, que forma um sistema nacional, usando o mesmo nome para todas as singulares, sem impedir que cada singular registre na marca sua origem ou localidade. 

Mas o desafio do cooperativismo, no que tange ร  arquitetura de marca, continua nessa busca constante de um equilรญbrio entre a marca do sistema, que fortalece a unidade corporativa e sinaliza intercooperaรงรฃo, e a assinatura da singular, que confere identidade e joga luz no trabalho de cada local ou regiรฃo. 

Dicas para reforรงar o valor das marcas de cooperativas

  • A marca deve ser uma sรญntese da cooperativa como um todo: suas mensagens, suas cores e sinais, seus produtos e serviรงos, suas atitudes e o seu jeito de ser. 
  • Em todas essas manifestaรงรตes, a marca deve traduzir a estratรฉgia e levar adiante o propรณsito da cooperativa. 
  • Para os pรบblicos da organizaรงรฃo, a marca funciona como um cรณdigo de significado, uma bรบssola de orientaรงรฃo para suas escolhas.
  • A marca se conecta com essas pessoas por meio dos pontos de contato reais e virtuais que interagem e dialogam com elas. 
  • Ao se conectar com esses pรบblicos, a marca da cooperativa passa a fazer parte de suas vidas e  jornadas. E eles se sentem associados a elas.
  • Nas experiรชncias com a marca, o que as pessoas esperam รฉ que ela entregue aquilo que promete. 
  • Esse equilรญbrio entre promessa e entrega รฉ o que se chama de brand alignment e que define a forรงa de uma marca.
  • Por isso, รฉ fundamental estar sempre monitorando a jornada desses pรบblicos e a qualidade das interaรงรตes mantidas com a marca.
  • Esse monitoramento das interaรงรตes faz parte da gestรฃo das marcas, permitindo os ajustes para melhoria e evoluรงรฃo nos relacionamentos.
  • Quanto mais sintonizadas com seus pรบblicos, mais reconhecimento, relevรขncia e valor terรฃo a cooperativa e a sua marca.

Para informaรงรตes detalhadas, baixe o e-book Cooperativas e Branding na Era Digital, escrito por mim e lanรงado em parceria com a Coonecta.

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Levi Carneiro
Levi Carneiro
Levi Carneiro รฉ consultor de branding e comunicaรงรฃo corporativa. Associado da New Connection. Parceiro da Loggia e Coonecta no trabalho com cooperativas de plataforma e gestรฃo de marcas cooperadas