O sistema financeiro no Brasil está passando por grandes transformações. A chegada de novas tecnologias e instituições traz mudanças significativas para o setor, e é preciso que o cooperativismo consiga acompanhar o ritmo acelerado sem perder sua essência.
“Eu sei que o mundo cooperativo é focado na proximidade, mas ele não pode usar esta vantagem para também não ser digital. A cooperativa tem que aproveitar sua vantagem da proximidade, mas não ter desvantagem na digitalização. Esse é o grande desafio de vocês”, apontou Evaristo Donato Araújo, chefe da subunidade do Departamento de Regulação do Banco Central do Brasil (DENOR).
O especialista marcou presença no 8º encontro BC UNEVozes, um evento realizado em parceria entre Confebras e Banco Central. Além de Araújo, José Vicente Santana, chefe da divisão e operações do Pix, também esteve presente para discutir inovação no sistema financeiro, projetos em desenvolvimento pelo BC e os desafios do cooperativismo de crédito.
A seguir, confira as tendências abordadas nas palestras e saiba o que o cooperativismo de crédito pode esperar do Banco Central!
Novos participantes e modelos garantem inclusão no setor financeiro
O encontro BC UNEVozes começou com Araújo falando sobre as organizações e modelos que estão dominando o setor financeiro. Ao início de sua fala, ele destacou a importância do cooperativismo de crédito.
“O Banco Central vê as cooperativas como um segmento que atua no atendimento à população brasileira de uma forma diferenciada, entregando produtos a baixos custos e com rentabilidades competitivas, de modo que foi – e ainda é – um fator importante de inclusão financeira, de educação financeira e de desenvolvimento econômico nas sociedades onde atuam”, pontuou.
A inclusão financeira é, segundo Araújo, um ponto de atenção importante para o setor de crédito. Para garantir que o maior número de pessoas seja atendido por uma instituição financeira, um método que tem contribuído é a digitalização dos processos de abertura de conta.
A digitalização permite que a população tenha acesso a serviços financeiros e grande parte se dá por entrantes no mercado. “Hoje, 2/3 das contas abertas no modo digital são por novas instituições”, destaca o especialista, ressaltando a competitividade dessas organizações frente a bancos tradicionais.
Entidades em ascensão no mercado
Araújo também explica as novas entidades reguladas e os modelos inovadores que estão redefinindo a competição e a oferta de produtos, como:
- Finanças embarcadas (Embedded Finance): uma integração de serviços financeiros, como pagamento, crédito e seguros, em plataformas e instituições não financeiras;
- Banking as a Service: a regulamentação que controla o processo de finanças embarcadas é chamada de BaaS. A norma sai este ano e deve trazer novidades sobre contratação, ofertas de produtos, serviços financeiros, pagamento e seguros;
- Sociedade de Crédito Direto (SCD): é uma sociedade que deve ter capital próprio para fazer empréstimos. O foco delas é gerar e vender operações;
- Sociedade de Empréstimos entre Pessoas (SEP): funciona como uma “vaquinha autorizada” para projetos de investimento;
- Instituições de Pagamento (IPs): fundamentais na disseminação dos serviços de pagamento, são responsáveis pela oferta de contas pré-pagas (moeda eletrônica), pós-pagas (cartão de crédito) e pelas maquininhas de cartão (credenciadoras).
Crescimento de instituições autorizadas
No segundo tópico debatido no encontro BC UNEVozes, Araújo trouxe números que mostram a expansão dos diferentes tipos de organizações financeiras no Brasil, comparando bancos, cooperativas e as novas entidades do mercado financeiro.
Segundo Araújo, é possível ver uma ampliação muito acelerada na quantidade de IPs e de SCDs no Brasil. O número de IPs, por exemplo, já é maior do que a quantidade de bancos no país.
“No final de 2018, a gente tinha uma SCD. Em agosto deste ano são 140. Olha o crescimento desse negócio”, destaca. “A primeira IP foi autorizada em 2016. Em 2017, nós tínhamos seis. Em agosto já eram 197. E nós temos mais de 70 pedidos para autorizar”.

Evolução no mercado de pagamento e Pix
A evolução do mercado de pagamento e a influência do Pix no setor também foram temas do 8º encontro BC UNEVozes. Araújo contextualizou trazendo números importantes: “no último trimestre de 2016 houve 1,5 bilhão de transações de cartão de crédito. Isso foi para 4,9 bilhões no segundo trimestre de 2024”. Ele pontuou que o uso de cartão de débito dobrou e o pré-pago teve um aumento significativo. “Na primeira data tinha 65 mil transações. Agora são 3 bilhões”, ressalta.
Araújo falou sobre a dominância do Pix, um grande destaque do setor financeiro. Lançado em novembro de 2020, em 2024 o modelo de pagamento eletrônico instantâneo já era responsável por 46% do número de transações financeiras, com menos de quatro anos de lançamento.
Avanços no desenvolvimento do Pix
O BC já prepara para o Pix uma agenda evolutiva que visa trabalhar seu crescimento. Santana detalhou três dos principais produtos em desenvolvimento pelo banco. O primeiro é o Pix parcelado, que está sendo pensado para trabalhar com maior abertura de informações oferecidas para os usuários.
“O objetivo principal é a gente deixar o cliente ter noção daquilo que ele está fazendo, porque toda operação de crédito é, no final das contas, uma dívida que precisa ser paga”, recorda Santana.
Ele lembra as cooperativas que é necessário estar atento em relação ao endividamento e, para isso, é preciso que as informações repassadas aos usuários sejam as melhores possíveis.
MED 2.0 (Mecanismo Especial de Devolução)
Outro produto em desenvolvimento pelo BC que deve estar no radar das cooperativas é o MED 2.0 (Mecanismo Especial de Devolução). Essa ferramenta é usada para buscar ressarcimento em casos de fraude ou golpe.
Atualmente, o MED consegue ressarcir em torno de 10% dos valores “roubados”. Segundo Santana, isso ocorre porque os fraudadores tiram rapidamente o dinheiro da conta que recebeu e repassam para outros lugares.
A ideia é conseguir fazer um rastreamento dos valores que foram levados. “Então se o dinheiro saiu para uma segunda conta, o MED 2.0 vai atrás daquele dinheiro na segunda conta. Se foi para uma terceira, vai atrás. A gente vai fazer essa rede de transferências para procurar esses valores”, explica.
Cobrança híbrida e planos para o futuro
A cobrança híbrida é mais um projeto em andamento do BC. Essa ferramenta deve oferecer no mesmo documento um código de barras para boleto e um QR Code do Pix. A ideia é que essas informações possam se comunicar, garantindo que o pagamento não seja realizado duas vezes.
Santana aponta que o BC também está buscando desenvolver o Pix por aproximação offline, o Pix em garantia, o split de pagamentos e a duplicata no Pix, pontos que devem ser acompanhados pelo cooperativismo de crédito no futuro.
Regulação no cooperativismo

As mudanças regulatórias que impactam o segmento cooperativista foram outro eixo temático do encontro BC UNEVozes. Os profissionais mostraram como a regulação do BC tem se movido para conceder maior liberdade e atender as demandas do setor.
“Vocês têm maior liberdade de investimento. Então vocês podem fazer investimentos compartilhados, podem investir em empresas autorizadas, podem investir em empresas de tecnologia”, aponta Araújo.
A regra sobre a captação de recursos nos municípios está em vias de aprovação. A ideia é atualizar o limite de R$ 250 mil (que é a garantia do FGCop) para um limite global. “Do dinheiro que hoje está em títulos públicos federais, serão liberados algo entre 80 e 90% para aplicações nas cooperativas”, sinalizou o especialista.
Outra novidade é em relação às operações compromissadas. Com a nova norma, as cooperativas “terão a mesma liberdade que os bancos têm, inclusive para fazer a operação compromissada com seus associados”, destacou Araújo.
Conclusão: intercooperação e digitalização podem alavancar as cooperativas
O mercado financeiro está em constante mudança e as novas instituições vêm chegando com força. Para garantir seu espaço e aumentar a competitividade, os especialistas defendem que as cooperativas devem investir em digitalização e intercooperação.
“O que o Banco Central tem incentivado e apontado nos últimos anos de forma bem clara é: intercooperem, desenvolvam tecnologia de ponta, façam os seus investimentos de forma compartilhada para atender todo o segmento de forma que vocês possam enfrentar os grandes players do mercado, inclusive no ambiente virtual”, declarou Araújo.
Além disso, destacar-se no digital é essencial para que o setor continue crescendo, em especial entre os jovens. “Os princípios cooperativos também têm que estar no celular. Esse público demanda acesso instantâneo a novos produtos e serviços”, complementou.Outro evento que trouxe insights valiosos para o cooperativismo este ano foi o Cooptech Crédito 2025. Mais de 60 palestrantes, incluindo representantes do Banco Central e instituições financeiras tradicionais, se reuniram para debater os rumos do cooperativismo financeiro.
Confira as percepções, oportunidades e desafios do segmento no report “8 discussões indispensáveis para o futuro das Cooperativas de Crédito no Brasil”!