A economia digital criou o ambiente propício para o surgimento de um novo tipo de cooperativismo: cooperativa de dados (ou data co-ops, em inglês). Basicamente, essas organizações guardam, agregam, dão contexto e monetizam os dados de seus cooperados.
Em outras palavras, as data co-ops são uma associação de pessoas que compartilham os seus dados com a cooperativa, aumentando assim seu poder de negociação e controle ao fornecer ou comercializar estas informações com terceiros.
Tais dados podem ser de diferentes naturezas: de saúde, de mobilidade, de consumo, entre outros. Esse escopo, claro, é pactuado e definido democraticamente pelos cooperados.
A Driver’s Seat, por exemplo, é uma cooperativa norte-americana que criou um aplicativo para motoristas de aplicativo – sim, parece estranho, mas é isso mesmo! A ideia é que os motoristas usem o app da Driver’s em paralelo aos de transporte, como Uber e Lyft. Desta forma, os motoristas recebem dados valiosos sobre consumo de combustível, quilometragem rodada, entre outros.
O mais interessante é que eles não pagam nada a mais por isso, pois a Driver’s Seat se remunera de outra forma: com os dados gerados pelos motoristas de aplicativo. Afinal, a cooperativa tem dados de mobilidade valiosos gerados por milhares de motoristas.
Estas informações são vendidas para prefeituras, empresas de consultoria e pesquisa que estejam pesquisando o tema da mobilidade urbana. Os recursos gerados pagam a operação da Driver’s Seat e ainda são distribuídos aos cooperados na forma de sobras (o “lucro” das cooperativas”).
Vale lembrar que em toda cooperativa a gestão é democrática, com participação dos cooperados não apenas nas decisões, mas no retorno financeiro do negócio. E nas cooperativas de dados não é diferente.
O tema ainda é bastante novo e, no Brasil, ainda não existem cooperativas de dados constituídas. No exterior, no entanto, há exemplos de sucesso, como o caso da Savvy, Midata e o da própria Driver’s Seat, que será detalhado mais adiante.
Neste blogpost explicaremos tudo o que você precisa saber sobre o assunto. Vamos lá?
O papel dos dados na economia digital
Antes de entrar em detalhes sobre as data co-ops, precisamos entender um pouco do contexto na qual estão inseridas.
Você já deve ter ouvido a frase que diz “os dados são o novo petróleo”, certo? Ela foi usada pelo matemático e especialista em gestão de dados Clive Humby, em 2006, para explicar a importância dos dados para a economia digital.
O ponto de Humby é que os dados, quando agregados e analisados de forma estruturada, são de grande valor financeiro na atual economia. A célebre frase, que se tornou até clichê, fez parte de uma explicação mais detalhada do matemático sobre o assunto, que diz o seguinte:
“Os dados são o novo petróleo. Como o petróleo, os dados são valiosos, mas se não forem refinados, não poderão ser realmente usados. Tem que ser transformado em gás, plástico, produtos químicos etc. para criar uma entidade valiosa que impulsiona a atividade lucrativa. Então, os dados devem ser decompostos, analisados para que tenham valor”, explicou Humby.
Portanto, se os dados são de grande valor, e muitos deles são gerados pelas pessoas por meio de seus dispositivos digitais, por que não ter cooperativas democraticamente geridas por esses “geradores de dados”? É neste contexto que surgem as cooperativas de dados!
Diferenciais das cooperativas de dados
Somado a isso, vale dizer que a forma como os dados são geridos e compartilhados passa por questões sensíveis relativas à proteção de dados pessoais. E as data co-ops podem ser uma entidade com conhecimento técnico e representação legítima dos interesses de seus cooperados nestas questões.
Vale lembrar que as tecnologias digitais permitem a coleta de uma série de dados de empresas e pessoas físicas. E o uso dessas informações tem papel central – e extremamente valioso – na estratégia das principais empresas de tecnologia.
Dessa forma, diferentes plataformas recolhem nossos dados, e muitas vezes não temos controle sobre isso – ou poderíamos ter, mas não sabemos como isso funciona.
É nesse contexto que as cooperativas de dados começam a surgir. Assim, os dados só podem ser usados seguindo as regras que os associados aprovaram.
Em um artigo publicado no site do Fórum Econômico Mundial, Sameer Mehta, Milind Dawande e Liying Mu apontam que as cooperativas de dados “capacitam os indivíduos, dando-lhes controle total sobre a qualidade e a quantidade dos dados que compartilham”.
Isso só é possível porque, na forma de cooperativa, os associados participam democraticamente das decisões e ainda têm a propriedade compartilhada desta.
Exemplos de cooperativas de dados
A seguir, veremos na prática como as cooperativas de dados fazem isso.
Savvy Cooperative
A Savvy foi fundada em 2016 com o objetivo de convergir as pesquisas da indústria médica e farmacêutica para o interesse dos pacientes. Na prática, a Savvy remunera os pacientes pelos dados fornecidos para pesquisas no desenvolvimento de medicamentos e soluções de saúde.
A Savvy coleta dados sobre pacientes e grupos de interesse da indústria farmacêutica e os disponibiliza mediante remuneração aos cooperados. Sua proposta é dar aos pacientes uma voz forte e influente, unificando a demanda para a indústria. Com isso, a ideia é gerar consumo e oferta conscientes.
A receita da cooperativa é gerada pelo pagamento das empresas que utilizam os dados cadastrados na plataforma da Savvy. Se um paciente quiser se tornar associado à cooperativa, paga uma taxa única, e se torna proprietário da empresa.
A Savvy também foi a primeira cooperativa de plataforma a receber investimento de capital de risco. No dia 16 de abril de 2020, a cooperativa anunciou aporte do fundo de Venture Capital Indie.vc.
Para saber mais, acesse o case da cooperativa no Radar da Inovação, realizado pela Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) com apoio da Coonecta.
Driver’s Seat
A Driver’s Seat é uma cooperativa que nasceu em 2019 com o objetivo de apoiar com dados os motoristas de aplicativo e também remunerá-los pelas informações de mobilidade que estes geram.
O aplicativo gera dados para duas finalidades:
- A primeira é apoiar o motorista com informações de consumo de combustível, quilômetros rodados e até mesmo para auditar se os aplicativos de transporte, como Uber, estão calculando corretamente a remuneração dos motoristas.
- A outra finalidade é agregar e contextualizar os dados agregados de todos os associados da Driver’s Seat de forma que possam ser vendidos, por exemplo, a órgãos públicos, consultorias ou entidades de pesquisa. Quando essas informações são vendidas, o valor é revertido para os próprios motoristas.
A cooperativa passou pelo processo de aceleração da Start.Coop e tem a intenção de dar aos motoristas o controle sobre o uso dos dados que geram a partir das corridas que realizam durante sua jornada. Afinal, quando um usuário utiliza apenas os aplicativos de transporte, os dados gerados são de propriedade das empresas que os controlam.
Plataformas como a Uber, 99 e similares, conquistaram um lugar e uma importância no mercado muito difíceis de serem revertidas. O monopólio que elas mantêm sobre os dados de mobilidade urbana poderiam ser utilizados por órgãos, entidades e consultorias para definição de estratégias de transporte.
Ao dar o controle para os motoristas, a Driver’s Seat oferece autonomia aos trabalhadores para tomar decisões baseadas em dados. Por isso, ela se autodenomina uma cooperativa dos trabalhadores, comprometida com a democratização do uso de dados.
Confira o texto que o Blog da Coonecta fez sobre a Driver’s Seat.
Midata
Muitos dos desafios que acompanham o uso de dados de usuários em plataformas também estão presentes na área da saúde. Tecnologias dedicadas à medicina, por muitas vezes, se apropriam dos dados dos usuários com pouca transparência sobre qual será o destino deles, e se serão preservados ou não.
É neste contexto que nasceu a Midata, em 2015. A cooperativa promove a gestão de dados de saúde de pacientes ao redor do planeta e tem por objetivo mostrar como os dados podem ser usados para o bem comum. Ao mesmo tempo, garante a soberania dos cidadãos sobre seus dados pessoais.
Muitas empresas utilizam dados cujos proprietários não cederam os direitos. Isto é, as pessoas não têm conhecimento de por que estão sendo usados e onde estão sendo aplicados – o que gera distorções nas relações e reduz a confiança dos usuários. A cooperativa Midata funciona como uma intermediária para a coleta de dados.
Além disso, utilizando tecnologias como big data e analytics, a Midata rastreia o comportamento de doenças como a Covid-19. O projeto foi desenvolvido em parceria com a BFH Medical Informatic e conseguiu, em pouco tempo, lançar um aplicativo que permite aos cidadãos registrarem seu estado de saúde e os sintomas relacionados à contaminação pelo vírus.
Para saber mais sobre o case da cooperativa Midata, acesse o portal InovaCoop e veja seus desafios, resultados e próximas iniciativas clicando aqui.
Conclusão
As cooperativas de dados são uma tendência inovadora, crescente em diversas partes do mundo – e aos poucos pode chegar ao Brasil.
Elas mostram, ainda, como o cooperativismo é versátil e pode facilmente se adaptar às novas tecnologias e tendências digitais.
Por meio delas, os associados das cooperativas poderão, com maior facilidade, gerenciar seus dados da forma que quiserem e ainda serem remunerados por isso. Se você quiser ficar por dentro das cooperativas inovadoras e seu ecossistema, não deixe de conferir o RadarCoop, um mapeamento inédito do ecossistema de inovação cooperativista realizado pela Coonecta.